Por Liliani da Silva Gomes da Rocha – OAB/SC 38.158
O Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu recentemente relevante decisão no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2.110 e 2.111, que discutiram diversos dispositivos introduzidos pela Lei n. 9.876/1999 na estrutura da Lei n. 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social). As ações foram ajuizadas por partidos políticos, entre eles o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido Socialista Brasileiro (PSB), e tiveram como foco central a análise da constitucionalidade de normas que impactam significativamente o regime previdenciário, especialmente no tocante à exigência de carência para a concessão do salário-maternidade às seguradas contribuintes individuais e seguradas especiais.
A Corte, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ADI 2.110, declarando a inconstitucionalidade da exigência de carência para a concessão do salário-maternidade, prevista no art. 25, III, da Lei n. 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n. 9.876/1999. Segundo o entendimento da maioria dos ministros, essa exigência viola o princípio da isonomia, pois estabelece tratamento desigual entre categorias de seguradas, especialmente penalizando as trabalhadoras autônomas e rurais, presumindo indevidamente sua má-fé, o que colide com os direitos fundamentais à maternidade e à proteção da criança previstos no art. 227 da Constituição Federal.
O julgamento também reiterou que, após a Emenda Constitucional n. 20/1998, não há mais exigência de lei complementar para a definição da base de cálculo dos benefícios previdenciários. Com isso, o STF declarou constitucional o fator previdenciário previsto na Lei n. 9.876/1999, entendendo que ele se insere no âmbito do cálculo atuarial necessário para assegurar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, conforme exigência constitucional expressa no art. 201 da Carta Magna. Ainda dentro desse contexto, a ampliação do período básico de cálculo (PBC) dos benefícios também foi considerada legítima, pois aumenta a fidedignidade do valor médio das contribuições e está amparada na discricionariedade do legislador ordinário.
Outro ponto sensível apreciado foi a exigência de apresentação de comprovante de vacinação e de frequência escolar para fins de recebimento do salário-família, prevista no art. 67 da Lei n. 8.213/1991. Para o STF, tal exigência se justifica como medida indireta de fiscalização do cumprimento dos deveres dos pais em relação à saúde e à educação dos filhos, alinhando-se ao interesse público de proteção da infância, conforme o art. 227 da Constituição.
Adicionalmente, o Tribunal afirmou que a revogação da Lei Complementar n. 84/1996 por meio de lei ordinária (Lei n. 9.876/1999) é válida, uma vez que, após a EC n. 20/1998, a matéria não mais demanda a forma de lei complementar. Assim, a alegação de ofensa ao princípio da reserva de lei complementar foi afastada.
No tocante à possibilidade de opção pelo segurado entre as regras de cálculo previstas no art. 3º da Lei n. 9.876/1999 e as do art. 29 da Lei n. 8.213/1991, o STF fixou a tese de que o art. 3º possui natureza cogente e não faculta ao segurado a escolha da regra mais benéfica, devendo ser observada de maneira obrigatória pelo Poder Judiciário e pela Administração Pública.
Essa decisão do STF possui repercussões profundas no Direito Previdenciário brasileiro, especialmente na afirmação de direitos sociais das mulheres autônomas e na consolidação da lógica atuarial do regime geral da previdência. Ao mesmo tempo, alinha-se aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no contexto da Agenda 2030 da ONU, especialmente nos objetivos de erradicação da pobreza, redução das desigualdades e fortalecimento das instituições.