Por Lorenzo Granemann Bonin – inscrito na OAB/SC 62.588 | OAB/PR 114.907.
Quando alguém é preso em flagrante, especialmente por um crime como tráfico de drogas, surgem inúmeras dúvidas e preocupações, tanto para o próprio acusado quanto para seus familiares. Logo após a prisão em flagrante, ocorrerá a audiência de custódia, que tem como principal objetivo assegurar que os direitos fundamentais da pessoa presa sejam devidamente respeitados. Além disso, é nessa audiência que o juiz avalia a legalidade da prisão e verifica se houve qualquer tipo de abuso, violência ou ilegalidade no ato da detenção.
A audiência de custódia é um procedimento obrigatório no Brasil, previsto no art. 310 do Código de Processo Penal, no qual toda pessoa presa em flagrante deve ser apresentada, em até 24 horas, a um juiz. Nessa ocasião, o magistrado irá analisar se a prisão ocorreu de forma legal, se houve maus-tratos ou violência por parte dos agentes policiais e, principalmente, se é necessária a manutenção da prisão naquele momento.
Caso seja constatada alguma irregularidade ou ilegalidade na detenção o juiz poderá relaxar a prisão, colocando o conduzido em liberdade. Caso não se justifique a prisão, o juiz pode determinar a liberdade provisória, com ou sem a imposição de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica, proibição de frequentar determinados lugares, obrigação de comparecimento periódico em juízo, entre outras. Por outro lado, se entender pela necessidade da prisão, poderá decretar a prisão preventiva, desde que presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Uma dúvida muito comum, especialmente em casos de tráfico de drogas, é se há possibilidade de concessão de liberdade provisória durante a audiência de custódia. Isso porque o artigo 44 da Lei de Drogas previa uma vedação genérica e expressa à liberdade provisória nesses casos. No entanto, tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já pacificaram o entendimento de que essa vedação não é compatível com a Constituição Federal e não impede que o juiz analise as circunstâncias concretas do caso para decidir sobre a liberdade.
O próprio STJ reafimrou esse entendimento no julgamento do AgRg no RHC 187.031/SP, julgado em 23.10.2023, no qual destacou que, desde 2012, após o Supremo Tribunal Federal declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da parte do artigo 44 da Lei n. 11.343/2006 que proibia a concessão de liberdade provisória nos casos de tráfico de drogas, essa parte do dispositivo perdeu validade. Conforme destacou a decisão:
Desde 11/05/2012, após o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade de parte do art. 44 da Lei n. 11.343/2006, a saber, da que proibia a concessão de liberdade provisória nos casos de tráfico de drogas, a fundamentação calcada nesse dispositivo simplesmente perdeu o respaldo. De acordo com o julgamento da Suprema Corte, a regra prevista no referido art. 44 da Lei n. 11.343/2006 é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência e do devido processo legal, dentre outros princípios. Assim, para se manter a prisão, imprescindível seria a presença de algum dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, o que não ocorreu no caso. (HC 376.802/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 12/12/2017, DJe 19/12/2017)
Dessa forma, mesmo em situações de flagrante por tráfico de drogas, é plenamente possível que o juiz, na audiência de custódia, conceda a liberdade provisória, mesmo que aplique medidas cautelares diversas da prisão. Para isso, são considerados fatores como residência fixa, trabalho lícito, primariedade, ausência de antecedentes criminais, condições pessoais favoráveis e a inexistência de elementos que indiquem risco à ordem pública, à instrução processual ou à aplicação da lei penal.
É importante destacar que a audiência de custódia não serve para discutir se o acusado é culpado ou inocente, tampouco para analisar o mérito do crime a ele imputado. O que se avalia, nesse momento, é exclusivamente a legalidade da prisão e a necessidade ou não de sua manutenção, independentemente do crime imputado, inclusive nos casos de tráfico de drogas.
O papel do advogado criminalista na audiência de custódia é fundamental. É ele quem assegura que os direitos do acusado sejam respeitados, podendo, inclusive, relatar ao juiz qualquer abuso, violência física, psicológica ou ilegalidade ocorrida no momento da abordagem, prisão ou condução. Além disso, cabe ao advogado apresentar informações relevantes que demonstrem que o conduzido possui condições favoráveis para responder ao processo em liberdade, tais como residência fixa, ocupação lícita, vínculos familiares, bons antecedentes e qualquer outro elemento que afaste o risco de fuga, de reiteração criminosa ou de prejuízo à instrução processual.
A audiência de custódia é, portanto, uma garantia fundamental dentro do Estado Democrático de Direito. Ela atua como um instrumento de controle contra eventuais abusos, assegurando que a prisão seja realmente uma medida excepcional, conforme prevê a Constituição Federal. Mais do que um procedimento formal, a audiência de custódia é uma efetiva proteção da dignidade da pessoa humana.